23 Anos da Aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente

Hoje, 13 de julho de 2013, faz 23 anos de aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente.  Ao contrário do que muitos pensam o processo que deu origem a este Estatuto e ao avanço nos direitos da criança e do adolescente não se deu por meio de consenso e não representou uma ruptura total do antigo modelo, conhecido como Código de Menores. Para entender esse processo é importante observar o contexto social e político em que se deram as discussões.
A sociedade civil e os movimentos sociais tiveram participação fundamental na problematização e elaboração da nova legislação. Porém, as contradições políticas da época serviram como ferramentas para que o Estatuto, mesmo diante de tantas descontinuidades, ainda apresente alguns pontos de continuidade com o Código de Menores. 
A professora e coordenadora do curso de Serviço Social da UNIFESP, Maria Liduína de Oliveira e Silva, intitula um dos capítulos de seu livro do seguinte modo: [1] “O Estatuto da Criança e do Adolescente nasce como resposta ao esgotamento do Código de Menores: descontinuidades e continuidades” . Analisa que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) representa uma ruptura do projeto societário antes visto no Código de Menores. Em sua reflexão apresenta o cenário nacional e internacional de elaboração e implementação do Estatuto, discute como e quais pontos apresentam continuidades e descontinuidades frente à legislação anterior.
O Código de Menores de 1979 foi aprovado em um contexto nacional contraditório ao debate internacional. No ano em que se comemorou o Ano Internacional da Criança, priorizando os direitos infantis e a criança como alvo de proteção, a Política do Bem Estar do Menor (PNBM) no Brasil, pautava-se na doutrina da situação irregular, que categorizava os “menores” como “abandonados” ou “delinqüentes”. Esta política representava os interesses dos militares já em crise.  
Além disso, a década de 80, internacionalmente tida como a “década perdida”, para o Brasil foi o período de grandes avanços democráticos: lutas e conquistas de direitos sociais, trabalhistas (como o novo sindicalismo), políticos (processo de transição democrática) e civis (como o Movimento “Diretas Já”). Nesse contexto, também se discutiam mudanças na legislação, na mentalidade social e nas práticas profissionais  para a população infanto-juvenil.
[...] Cada vez era mais evidente um “consenso” entre governo, sociedade e movimentos sociais em torno da falência do Código de Menores e da PNBM, tanto que os organismos oficiais nacionais e internacionais, como a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem), a Secretaria de Assistência Social (SAS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) teciam críticas publicamente contra o Código de Menores, e as instituições coordenadoras e operadoras da PNBM e as práticas institucionais. (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.103)
Apesar de parecer que houve um grande “consenso” a favor dos direitos das crianças e adolescentes, o processo de elaboração de uma nova legislação apresentou muitas posições divergentes. Um grupo de trabalho do Fórum Nacional Permanente de Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (DCA) foi criado para articular, sistematizar e unificar os diferentes posicionamentos em um projeto de lei. Em 1990, esse projeto de lei que deu origem ao ECA foi aprovado pelo Senado e pela Câmara e sancionado em julho pelo então presidente.
A partir desses apontamentos pode-se confirmar os dizeres de OLIVEIRA E SILVA (2011), de que “o ECA é processo e resultado”, ao pensar que reflete o panorama do neoliberalismo e, ao mesmo tempo, uma conquista das lutas sociais pelos direitos infanto-juvenis. OLIVEIRA E SILVA (2011) discute o ECA como uma legislação “inovadora, garantista e participativa”, por regulamentar a cidadania da população infanto-juvenil, conceber a criança e o adolescente como sujeitos de todos os direitos constitucionais e inaugurar a participação popular no processo de elaboração das leis e na prática da garantia dos direitos.
Ao introduzir a participação popular na gestão, os Conselhos de Direitos – em nível nacional, estadual e municipal – e os Conselhos Tutelares – em nível municipal, tem-se a abertura para a população adentrar e interferir nas áreas de formulação, deliberação, execução, requisição e fiscalização de políticas públicas para crianças e adolescentes. Vale ressaltar que esse quadro também pode caracterizar contraditoriamente, movimentos de desresponsabilização estatal frente às políticas públicas.
As descontinuidades do ECA frente ao Código de Menores com certeza legitimaram uma nova forma de pensar políticas e práticas para a população infanto-juvenil. Por outro lado, o contexto de avanços do  neoliberalismo e de início do processo de redemocratização – após vinte anos de ditadura militar - fez com que a legislação não propusesse uma mudança societária de fato. OLIVEIRA E SILVA (2011) argumenta que as legislações, de forma geral, sempre irão refletir os interesses dos grupos majoritários do governo e que por mais que proponham mudanças inovadoras, serão as necessárias para a manutenção da ordem social.
Como exemplo, a autora discute a introdução no ECA do termo “risco pessoal e social” como continuidade da culpabilização do sujeito pela sua condição de pobreza, pela sua antes nomeada “situação irregular”:
O que está por trás de crianças e adolescentes “em situação de risco”? Omissão e negligência do Estado, da família e da sociedade, precarização das relações trabalhistas e das políticas públicas. Na realidade, essas crianças e adolescentes não estão em “situação de risco” ou de “dificuldade especial”, mas em “situação de violação de direitos”. Essas reflexões levam a pensar que o artigo 98 do ECA reedita parcialmente o paradigma da “situação irregular”, uma vez que cai na armadilha do artigo 2º do Código de Menores, que entendia crianças e adolescentes em “estado potencial de perigo”. (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.129)  
Dessa forma, podemos notar continuidades e descontinuidades na legislação de 1990. As descontinuidades inovam o entendimento da criança e do adolescente como sujeitos de todos os direitos constitucionais. Porém, mais que isso: essas descontinuidades trazidas pela legislação devem se refletir em mudanças de práticas e concepções  individuais e coletivas. Exigem mudança de método, de conteúdo e de gestão e, sobretudo, posicionamento político e coletivo na perspectiva da defesa e garantia de direitos humanos de crianças e adolescentes - um campo minado de contradições e tensões – de correlação de forças sociais.  

O ECA foi, sem dúvida, um grande avanço na luta pelos direitos das crianças e dos adolescentes e deve, por isso, ser reconhecido e comemorado pelos seus 23 anos. Mas isto não basta e nem é suficiente para enfrentar as inúmeras situações de violações de direitos humanos de crianças e adolescentes brasileiras. É preciso resistir, estender os limites e lutar contra os constrangimentos impostos pelo capitalismo ao campo dos direitos e das políticas sociais na contemporaneidade.

 [1] OLIVEIRA E SILVA, M. L. Entre proteção e punição: o controle sociopenal dos adolescentes”. São Paulo: xxx, xxx


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